colunista

Odilon Rios

Odilon Rios é jornalista, editor do portal Repórter Nordeste e escritor. Autor de 4 livros, mais recente é Bode Pendurado no Sino & Outras Crônicas (2023)

Conteúdo Opinativo

Sururu no hectare mais produtivo do país

13/07/2024 - 06:00

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A promessa do governador Guilherme Palmeira de reativar aquele que era o "hectare mais produtivo do país" – o entorno da Lagoa Mundaú – tinha ligações com a realidade. Mesmo com poucos recursos técnicos, a produção do sururu na lagoa chegou a alcançar 12 toneladas ao ano.

Mas isso foi há muito tempo. Bem antes daquele 1979, quando Alagoas era governada por Guilherme, um jovem em franca ascensão na política, ainda com a imagem muito ligada ao pai, o senador Rui, e ao irmão Vladimir, preso na ditadura por liderar 100 mil pessoas pelas ruas em 1968, peitando os militares na ditadura.

Guilherme ajudava a escancarar a instalação do polo cloroalcoolquímico em uma área de 600 hectares entre o mar e a lagoa. Prometia que haveria um controle rigoroso dos despejos químicos das usinas de açúcar e álcool, lançados no Rio Mundaú, e também reabrir a barra para que a água do mar penetrasse no ecossistema. Para o governador, sem poluição e o teor de salinidade correto, o sururu, que já havia desaparecido, voltaria a proliferar nas águas.

A proposta nunca foi colocada em prática. Quarenta e cinco anos depois, a miséria da população ribeirinha só não é mais agravada por causa dos programas federais, as aposentadorias e pensões. Apesar da importância histórica e principalmente nutricional, o sururu – talvez pela abundância – sempre foi tratado no passado com um certo desdém na culinária alagoana.

Em 1896, por exemplo, O Gutemberg cita a importância do caldo do sururu para o reestabelecimento das forças do corpo. Rico em fósforo, trazia vigor ao cérebro. Em 1909, o jornal dizia que o sururu e o peixe não custavam nada, estavam fartamente à disposição na natureza o que não exigia preocupação dos governantes ou empresários com a escassez de alimentos ou a fome dos trabalhadores locais. Óbvio que isso era uma grande mentira, para justificar os baixos salários, e até uma certa preguiça ou inação do alagoano em melhorar a própria vida.

Em 2018, um artigo publicado na Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil com o nome “Eficácia do sururu (Mytella falcata) na recuperação de crianças desnutridas, moradoras de favelas de Maceió, Alagoas” reafirmava aquilo que já se sabia há mais de 100 anos: a importância nutricional do molusco na vida alimentar.

Mas o foco da pesquisa eram as crianças desnutridas crônicas. E se concluiu que o sururu era ainda mais nutritivo que a carne do boi. “A preparação sururu com ou sem leite de coco pode ser um substituto eficaz da carne bovina no combate à desnutrição infantil e da anemia, podendo ser incluída no cardápio de instituições infantis e em programas que visem à recuperação nutricional de crianças”, concluiu o estudo.

No final do ano passado, quando a mina 18 da Braskem rompeu na Lagoa Mundaú, uma das principais preocupações era a sobrevivência do sururu, por causa do extravasamento do sal-gema.

Estudo da Ufal financiado pela Braskem, publicado em dezembro de 2023, aponta que a qualidade da água na Mundaú não foi alterada após o rompimento da mina. Mostrou ainda que o problema da lagoa, e que afeta o berço do sururu, é a poluição e até a presença de componentes cancerígenos, como o DDT, proibido no Brasil mas usado nas plantações alagoanas.

Como se vê, o sururu – ou o que restou dele – até pode salvar vidas. Mas os negócios convencem os estômagos a esperarem.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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